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Pequeno manual do ócio em terras alemãs

 Pequeno manual do ócio em terras alemãs

Como Lei alemã favorece aproveitadoras (e alguns aproveitadores que nunca tive o desprazer de conhecer)

 

Há algumas vias pelas quais pessoas de países em desenvolvimento migram para países como a Alemanha.

 

Por exemplo, é sabido que países desenvolvidos sofrem de escassez de mão-de-obra qualificada. Por esse motivo, países como a Alemanha dispõe vistos "especiais" para profissionais em demanda. Esse é o conceito do Blaukart (Blue Card) que na Alemanha se destina a profissionais salário anual seja superior a 55 mil euros ou 43 mil no caso de profissionais de áreas em alta demanda. Não há como recrutar essa mão-de-obra sem que a família desses profissionais também possa ser relocada. Então esses profissionais e seus familiares são relocados.

 

Além de se qualificar para essas vagas em demanda, ou ser parte direta da família qualificada, outra via possível para a imigração para o território alemão é através do matrimônio. Como vivemos num mundo desigual, onde homens e mulheres desempenham papéis diferentes, e é comum que homens e mulheres oriundos desses países tenham perfis diferentes: homens vem para compor a mão-de-obra e enquanto mulheres fazem isso em menor grau. Há muito preconceito criado a partir disso. Um preconceito velado que ronda a sociedade, onde mulheres são vistas como anexos. Por vezes profissionais altamente capacitas são julgadas por um perfil que nada lhe cabem apenas pela origem e gênero a que pertencem.

 

É também nesse cenário que surgem as oportunidades. Afinal, quem não quer ter uma vida melhor, não é mesmo? Não há nada demais em querer uma vida melhor, como lemos em vários fóruns por aí. A crítica a ser feita, caso haja, seja para a forma como as pessoas fazem isso: algumas cursam engenharia, outros direitos, algumas empreendem, algumas vendem o corpo, algumas venderiam a alma caso tivessem. Mas faço aqui a defesa às prostitutas: essas negociam claramente o que querem pelo o que oferecem. Ainda que existam aquelas que troquem o comércio diário por um negócio mais permanente, na maior parte das vezes as relações são mantidas de forma cristalina: o prazer oferecido em troca de dinheiro.

 

Bom, esse manual não é para pessoas com tamanho entrave moral. Todos os benefícios que esse manual visa são obtidos por concessões implícitas. 

A ideia básica é entrar num relacionamento com algum provedor, fingir que está procurando oportunidades de trabalho e dessa forma escapar de trabalho doméstico e esticar a tarde entre passeios pela cidade, séries de TV, ginástica, etc. o Céu é o limite. Depois de tudo, se a outra parte não suportar mais a situação, recorra ao sistema jurídico alemão. Lá está o escudo-protetor do nosso público alvo.

 

Reza a lenda que esse manual do ócio pode ser usado pelos dois gêneros. Mulheres e homens gozam dos mesmos direitos, segundo a lei. A verdade estatística é outra. Por isso, as mulheres são as maiores beneficiárias desse pequeno manual. Em minha experiência, os homens sequer cogitam a hipótese de recorrer ao sistema judiciário. Mas situações que homens recorrem ao sistema alemão podem ocorrer. Por isso tentarei usar o gênero neutro sempre que possível. No entanto, vou usar a história de Olya e Sergey como uma referência do que não deve ser feito.

 

Olya é uma jovem ucraniana que fez computação em Kiev. Quis conhecer o mundo e resolveu viajar para Austrália onde conheceu o russo Sergey. Os dois faziam alguns bicos e moraram lá por 3 anos até que Olya recebeu uma proposta para trabalhar em Hamburgo como engenheira de software. Sergey claro viajou com ela, mas ele não "conseguiu" emprego. Não vamos especular aqui se ele procurou com o afinco necessário, mas fato é que ele ficou como "do lar" por aproximadamente 2 anos até que Olya achou a situação insustentável e pediu para ele sair. Sergey ainda tentou arrastar a situação por mais tempo, mas se viu obrigado a sair de casa. Devido ao custo alto de viver na Alemanha, desistiu de alugar um apartamento para ele sozinho e resolveu voltar para Rússia, para casa de seus pais.

 

Percebem o erro de Sergey? Seu período de ócio foi limitado aos poucos anos que viveu em Hamburgo. Talvez seu frágil orgulho masculino tenha o impedido de recorrer aos “seus direitos”. Talvez seus entraves morais o impeliram de apelar a um sistema injusto. Fato é, se Sergey tinha o direito legal de fazê-lo, não é porque era imoral que ele não deveria fazê-lo, não é mesmo?

 

Uma lei é moral só porque é lei? Um ato é moral só porque é legal?

 

Típico caso é o de funcionários públicos que recebem benefícios como auxílio-moradia mesmo possuindo imóveis nas cidades onde trabalham. Mas a Alemanha é o palco dos clássicos exemplos onde a moralidade e a legalidade embatem. Um dos mais clássicos é a história da esposa nazista.

 

Conta a história que a um certo ponto da segunda guerra mundial, um soldado visita a esposa durante um breve período de folga que recebera. Nessa ocasião ele revela a esposa seu dessabor com o Führer. Diz que não está satisfeito com o partido nazista e que o melhor para todos seria se Hitler fosse assassinado. No dia seguinte, a esposa delata o marido “traidor” e pede por sua cabeça alegando que um covarde assim não merecia viver. O soldado é preso, e levado a julgamento pelo tribunal militar. Durante o julgamento ele alega falta de provas e o tribunal decide que ao invés de executá-lo que ele deveria lutar no front. Felizmente para o soldado, ele sobrevive a guerra.  Nada satisfeito com o ocorrido, ele agora delata sua esposa de ter ajudado os nazistas. Em sua defesa, a esposa alega que estava apenas seguindo as leis da época: Não delatar um ato de traição era uma traição por si.

 

É dessa postura que precisamos aqui. Descobriu-se depois que a esposa tinha um caso com outro homem. Mas a lei é uma justificativa por si.

 

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O divórcio de acordo com a lei alemã.

 

O divórcio alemão tem suas peculiaridades bastante importantes para esse manual. Primeiro, o divórcio não pode ser pedido sem antes um período de separação (Trennung) de no mínimo um ano. É uma tradição dos códigos civis se intrometerem em assuntos de cunho privado, como o matrimônio. Até recentemente o código civil alemão determinava que casais do mesmo gênero não poderiam casar. Seguindo essa mesma tradição, o estado alemão decide que um casal não pode dissolver seu matrimônio sem antes passar um período de “reflexão de no mínimo 12 meses. O juiz ainda questionará as partes, após todo período de separação, se ainda estão determinados a se separar. E, de alguma forma, fará essa pergunta sem rir.

 

Segundo, durante esse período de Trennung, a parte que possui rendimentos maiores paga a diferença entre seus rendimentos (depois de pago os impostos) para a parte que possui menores rendimentos vezes 3/7. Digamos, se o rendimento líquido for de 3500 euros a outra parte fica com 1500 euros. Filhos estão fora dessa discussão, e recebem ajuda a parte. Mesmo porque esse é um manual do ócio e não o manual de como cuidar da prole.

 

Esse período de separação se estende pelo tempo que for necessário... e necessário é um termo aqui suficientemente vago para refletir a inaptidão da corte para decidir datas. Pode acontecer do tribunal ficar sobrecarregado por conta de uma crise imigratória, como a de 2015, e demore a julgar o caso da separação. Pode ser que o tribunal esteja esperando o levantamento dos bens e dos fundos de pensões das partes. Pode ser que o tribunal sequer tenha a competência de solicitar o levantamento desses dados e esteja esperando por isso. Enfim muita coisa pode acontecer.

 

Esse manual aconselha algumas medidas no intuito de ajudar a corte a estender ainda mais esse período e maximizar os ganhos com o ócio:

- Antes do pedido de Trennung, tenha certeza de não ter rendimentos fixos. Se estiver em algum emprego (como assim você ainda lendo esse manual se você tem emprego?), peça demissão o quanto antes. O legislador não teve o trabalho de mencionar último emprego ou coisa do gênero para a deduzir da diferença entre os rendimentos. Por tanto, use isso a seu favor.

-  No final do período de um ano, proponha um acordo (nada oficialmente). Seria ótimo começar um processo moroso de negociação porque a outra parte não está interessada num ainda mais demorado processo de divórcio e fará o possível para tentar um acordo. Para isso, sempre dê respostas vagas ao acordo, mas mantenha a posição que um acordo é desejável.  

-  Tente se "esconder". O tribunal tentará notificar a parte com a pressa necessária para se observar uma árvore crescer. A demora na citação também é importante porque uma argumentação a respeito da demora do processo é condicionada a data da citação. O entendimento da corte sobre se existe demora excessiva ou não é em função da diferença do tempo entre a data dessa apreciação e a citação da parte.

 

Todo período de separação conta como parte do casamento. Isso será importante mais adiante quando for clamado alguma ajuda pós-matrimonial (quando maior o tempo de

matrimônio e de dependência da parte, melhor para esse fim).

 

Outra particularidade interessante é a divisão de bens. Como mencionado brevemente a respeito do fundo de pensões, o divórcio está vinculado a divisão de bens e entre os bens divisíveis está a aposentadoria das partes. Não apenas dos valores acumulados na Alemanha, mas de todos os valores acumulados durante o casamento. O mesmo vale para qualquer outro bem, mas a divisão da aposentadoria se desdobra em algumas ações: primeiro, a aposentadoria em outros países precisa ser levantada (a corte aciona o órgão público alemão responsável pelas pensões – Deutsche Rentenversicherung – que aciona um escritório do órgão estrangeiro responsável pelas pensões de seus cidadãos). Segundo, enquanto os valores acumulados por pensão não forem calculados, o processo para.

 

 

Esse manual agradece aqueles servidores públicos alemães que não têm preza alguma em cumprir suas obrigações, às juízas e aos juízes pretensamente feministas que julgam casos de aproveitadoras como se fossem pobres coitadas denegrindo a imagem de tantas mulheres que trabalham e que lutam por igualdades  e principalmente ao código civil alemão do século XIX, orgulhosamente um dos códigos de lei mais antigos do mundo onde se faz a seguinte reserva:

 

Existe uma racionalidade nessas leis. Elas foram criadas para uma época onde mulheres trabalhavam em casa enquanto homens ofereciam sua força trabalhista no mercado. Mulheres dessa época eram empregadas de seus próprios companheiros e respondiam a eles pelo cumprimento de obrigações domésticas. Homens dessa época "deviam" as suas mulheres parte dos recursos financeiros obtidos com a troca de suas horas. Isso é muito longe da relação que a maioria dos homens e mulheres perseguem hoje em dia ainda que seja justo que as pessoas que vivem nesses moldes antigos possam ser protegidas por um sistema de lei adequado a elas, mas é injusto que pessoas que vivem em relações modernas estejam sujeitos a leis que não lhes cabe.

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