A primeira palavra que minha filha aprendeu a falar foi "pai". O que pode parecer estranho porque ele morava com a mãe e eu não tinha tanto contato assim com ela. Talvez tenha sido coincidência que o som que ela emitia ao me ver fosse parecido com pai. Fato é que ela aprendeu rápido a chamar o pai, a mãe e depois vários objetos. Mas nenhuma dessas palavras foi tão palavra quanto aquela que ela aprendeu a falar pouco tempo depois: "não".
O que acontece com o "não" é que esse advérbio tem um valor semântico variável. Ao contrário de mãe, pai, bola, água cujo valor semântico é constante para a criança (pai é sempre o mesmo pai, assim como bola sempre significa uma bola, oras), o não é usado para expressar a negação de qualquer coisa. Portanto, "não" pode ser qualquer coisa.
A aquisição de tal vocábulo é o início de uma nova relação com o mundo. O mundo deixa de ter apenas objetos e passa a ter história, inter relações que começam a ser compreendidas. A mudança é tão fantástica que nossas lembranças mais remotas remetem a um certo momento em que conseguimos expressar o mundo por tais vocábulos.
Hoje minha afilhada chamou a mãe várias vezes por mamãezinha. A mudança sutil entre chamar a mãe por mãe e por mamãezinha é outra enorme mudança. Quando a criança chama a mãe por mamãezinha ela já está "mal" intencionada. Ela não quer simplesmente invocar a mãe, mas chamá-la de forma que ela se sinta prestigiada, agradada por ela. E isso aconteceu porque essa criança notou que as palavras estão dentro de um jogo de comunicação onde o mais importante não é expressar o que queremos, o que já é tarefa bastante complicada, mas convencer as pessoas a nos ajudar a conseguir tal coisa.
Cá estou com meus botões a pensar que com um pouco de sensibilidade encontramos nos pequeninos gestos das crianças as sutilezas que nos tornam tão complexos.
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